terça-feira, julho 01, 2008

Cuidado com o que toma! (2)

"Ao pensar nos milhares de horas necessárias para a descrição científica das consequências químicas de um dia na vida de uma célula, um neurocientista comentou:
- Somos obrigados a concluir que a natureza é inteligente porque é complicada demais para ser chamada de qualquer outra coisa"

A cura quântica (Deepak Chopra)




- Olá. Vou escrever pra você

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Tenho 25 anos. Acabei de me formar em medicina. Posso afirmar que a faculdade de medicina forma médicos tecnicamente razoáveis, o que de maneira alguma significa que não sejam bons médicos.
O bom médico é aquele que usa o conhecimento técnico que tem de maneira a resolver, com o máximo de eficácia, o problema central do paciente (o qual muitas vezes nao coincide com sua queixa central na consulta), e os problemas relacionados. Para isso não só é necessário apenas conhecimento técnico, mas também interesse, ênfase na relação médico-paciente, empatia, senso de resolutividade, visão de curto e médio prazo e muitos outros quesitos. Tais fatores "extras" muitas vezes são aprendidos de forma empírica pelos médicos (isso quando são de fato apreendidos)
Um médico pode ser excelente conhecedor da fisologia e fisiopatoligia de doenças de determinada área clínica, bem como os protocolos de tratamento e detalhes das drogas a serem utiizadas. Mas o que pode fazer de "util", de "eficaz", se usa todo esse conhecimento em uma consulta de 5, 10 minutos? se não consegue colher uma boa história do paciente? se não consegue saber sobre que elementos da vida do paciente estão relacionados aos fatores de risco e às cuasas das doenças que pretende tratar?
Ok. Diriamos que pode-se fazer muita coisa. Mas a resolutividade é muito menor. Muito comum pacientes peregrinarem por dezenas de médicos, muitos com certeza ótimos técnicos, sem que seu problema seja resolvido. Onde está a eficiência?
Portanto, perante os leigos e os profissionais de saúde, está mais do que na hora de a cultura que sustenta o atual conceito de competência médica ser revista. Todo o modelo médico atual, sabidamente deficitário, está centrado nessa cultura.

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Após 2 anos de formado, ainda não sou especialista em nenhuma área da medicina. Sou pós-graduando em psiquiatria. Trabalho como clínico geral aos sábados. Tenho quase 2 anos de formado. Sou portanto, na minha área de trabalho, um médico tecnicamente razoável, como a maioria dos recém formados. Contudo, procuro identificar e resolver os problemas dos meus pacientes da melhor maneira possível.
Tal tentativa sustenta minha ousadia em escrever textos que possam vir a ser úteis aos leigos. Seja quem for.
Portanto, o que quer que eu venha a escrever sobre qualquer assunto da medicina, se o for feito com cuidado, razoabilidade e respeito à veracidade técnica das informações, tem potencial efeito benéfico em termos de informação ao público não técnico. Beleza!

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Porque essa explanação? Por um simples motivo. Lembrei hoje no plantão da residência que muitos "pacientes" gordinhos (ou simplesmente "querendo emagrecer") estão fazendo uso de medicamentos anti-obesidade. Acham que é o mesmo que tomar um comprimido de passiflora, ou um chá-de-camomila para relaxar depois das 9. Algo como um comprimidinho pra dor de cabeça. E vão vivendo.
Nada disso! São medicamentos complexos, de intricado mecanismo de ação e de forte impacto na biologia e na psique do indivíduo. Jamais deveriam ser usados descriteriosamente. Quanto mais como um comprimido de passiflora!

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No dia-a-dia, entre colegas de trabalho, pacientes da atenção básica, pacientes psiquiátricos, vizinhos e etc vejo, principalmene mulheres jovens, usando "fórmulas pra emagrecer". Tudo bem. Na maioria das vezes, são prescritas por médicos. Longe de mim contestar a motivação clínica de suas prescrições. Contudo, tais garotas deveriam saber que as indicações para a terapia anti-obesidade com medicações são restritas. Deveriam saber e se preocupar com isso. Vejamos alguns motivos.
Para que tais medicamentos possam ser usado, devem coexistir, ao mesmo tempo, todas as indicações abaixo (fonte: guidelines americano):

- IMC > 27kg/m2 (ou seja, ser pelo menos "gordinho")

- Falha na conduta não-medicamentosa em pelo menos 1 mês de tratamento (ou seja, falha pífia da dieta e exercícios apropriados)

- Uma ou mais patologias relacionadas à obesidade (hipertensão, diabetes, osteoartrose, problemas ortopedicos, colesterol alto, etc)

- Concordância em manter a dieta e o exercícios (ora... muitos acham legal tomar o remédio justamente por acharem que podem ficar em casa comendo brigadeiro...)

- Idade > 18 anos (menor não pode e pronto)

- Não-gestante (por motivos óbvios)

- Ausência de contra-indicações aos medicamentos (E são muitas...)

E muitos usam diuréticos (furosemida, hidroclorotiazida), antidepressivos (como a fluoxetina), antidiabéticos (como a metformina), como "adjuvantes da medicação". Tais medicações, além de só deverem ser usadas em suas indicações específicas, pouco ou nada contribuem para a perda real de gordura. E ainda podem levar a diversas complicações orgânicas, conhecidas por qualquer médico.

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Muitos pacientes têm todas as indicações. Este não é o problema. O problema são aqueles muitos que as usam para "emagrecer" sem esforço, na ânsia do "desespero" deslavado de ficar em paz com sua neurose estética. Pronto. "Chutaria" que pelo menos 50% dos casos são utilizados assim. Tudo errado!
E muitos perguntam: E porque não usar, oras, se o risco de acontecerem efeitos adversos graves ou de "morrer" não é tão alto assim? porque isso, no popular, seria "avacalhar a medicina". É desconsiderar, num tomar de pílulas, todo o trabalho científico, acadêmico e institucional que faz do conhecimento médico seguro protocolos, que se transformam em condutas praticas, que influenciam a saúde de todos.


Cuidado com o que toma!!