quarta-feira, maio 24, 2006

carta a quem se ama

Considero este texto um exemplo de como situações de angústia e sofrimento podem consistir em portas para uma percepção inusitada - e positiva - da realidade


CARTA A QUEM SE AMA (Novembro de 2001)

Me deu vontade de escrever pra você. Assim, de repente. Estava estudando para uma prova de segunda chamada, quando fui ao banheiro beber água e lavar o rosto, e assim me olhei no espelho. Apaguei as luzes e fui para a rede da varanda de casa. Observando as arvores, as estrelas, o céu, os carros, as luzes, pensei em todos os fatos marcantes da minha vida, as pessoas que deles participaram, os lugares por qual passei, quem eu era (ou achava que era), quem eu queria ser, o que queriam que eu fosse e o que tinha me tornado. Chorei, chorei muito. Chorei por sofrer sem saber quando, como nem porquê. Chorei por saber porque sofria, e mesmo sabendo as causas do meu sofrimento, ele só fazia crescer, para por vezes sumir de repente. Olhei a lua e rememorei, num insight, toda a historia que conhecia da humanidade, seu sofrimento, medos, aflições, derrotas, vitórias, divisões que originavam todo o pesar humano. E chorei mais. Eu - que por vezes me sinto tão feliz, confiante na força da alma, na vida, no mundo, na bondade e no meu potencial e no potencial de quem me rodeia, me ama, me estima, ou simplesmente lembra de mim na hora de dormir - me senti pequeno. Muito pequeno. Impotente, sem ação, sem respostas, sem forças e sem amor diante de toda grandeza dinâmica que é a relação do homem com o universo; tão grande que me impede de abraça-la. Chorei mais, pensei nas pessoas que me amavam, novamente, e pensei que todo amor é pleno e que nós mesmos o impedimos de se expressar em toda sua plenitude devido a questões e conflitos a priori extremamente insignificantes. Da mãe amorosa ao conhecido que encontramos casualmente no ponto de ônibus, ao até mesmo a quem consideramos inimigos, tudo e todos são uma questão de contexto, um contexto por nós induzido a nos fazer sofrer devido a nossa neurose coletiva atemporal inconsciente. Estou tão seguro do meu estar no mundo, afetivo, familiar, das amizades fortes ou fracas, que me sinto confuso. Muito confuso. E triste. Triste principalmente porque vejo em essência que o infinito amor humano (leia-se todos os “tipos” de amor) é por nós mesmos impedido de se expressar, e não temos a menor idéia de como, quando e porque fazemos isso, e de como nossos ancestrais, de toda a história, fizeram isso. Deitei na minha cama (um colchão no chão da sala, porque preciso dormir sozinho e cismei de dormir sem ventilador). Coloquei minha cabeça no travesseiro. Eram 10:36 da noite, e me veio um novo insight que me fez estremecer da cabeça aos pés. Uma confusa e sofrida onda de paz me invadiu e, quase em êxtase senti a verdadeira existência do amor divino: o amor universal. O amor humano. Os mesmos tipos de amor, a mesma energia cósmica, bilhões de vezes infinitas em cada coração humano. E nesse momento (muito curto), pude sentir a plenitude desse amor, embora agora, quando estou escrevendo, não tenha muita idéia do que quero dizer. Chorei mais ainda, pensei como seria bom que todos se amassem plenamente o tempo todo, mas pensei também que nossa vida sofrida (embora as vezes não acreditemos nem reconheçamos nosso sentimento) contraditoriamente nos conduz com a evolução universal para esse amor pleno. O sofrimento profundo, o “metasofrimento” interior me trouxe uma horrível paz, que ao mesmo tempo que me encheu de alegria e amor, me apavorou ao me colocar em contato com a dura realidade do nosso sofrimento. Ao sair do êxtase, me levantei, acendi a luz, destaquei essa folha, e passei a escrever, e deixei minha mão fluir ao passo que literalmente mil pensamentos me passavam pela cabeça a cada segundo, e mil sentimentos de amor, ódio, piedade, alegria, cansaço, tristeza e paciência passassem pelo coração. E vi novamente que estava sofrendo. Este sofrimento tornou-se luz, a luz virou paz, e a paz me mostrou que por uns breves segundos amei plenamente e igualmente a tudo e a todos, e me mostrou que esse amor pleno é o que me espera um dia, pois as minhas aflições humanas reduziram novamente meu amor às dimensões ridículas que inconscientemente, lhe damos. Voltando ao mundo, olhei novamente a lua, as luzes, os carros, as arvores, e fiquei tranqüilo e feliz, ao saber que, se fui capaz de te amar plenamente durante um momento, serei capaz, um dia, de amar sua essência, esteja onde estiver, no tempo que for, com todas as minhas forças, e para sempre. E se esse amor hoje está preso em mim, posso dizer, com lágrimas nos olhos, que te amo. A você que está lendo, agora e sempre. Ontem, hoje e amanhã. De alguma maneira. Te amo.